Poiésis

quinta-feira, junho 24, 2010

Resenha crítica do filme "Entre os muros da escola ".

Resenha Crítica dentro de uma abordagem que envolve aspectos relativos à prática pedagógica, à globalização, questões da área cognitiva e afetiva na relação professor-aluno.



Resenha crítica do filme “Entre os muros da escola”.
(Entre les Murs, França- 2007.)



     O filme “Entre os muros da escola”, de Lautet Cantet, nos remete aos muitos aspectos conflitantes vividos em uma escola pública localizada no subúrbio de Paris. Grande parte da ficção se passa dentro de uma sala de aula composta por alunos de treze a quinze anos de idade com diversos problemas de ordem política e, principalmente, social. É possível, também, perceber as diversidades étnicas ali inseridas, cujas culturas e diferenças que cada aluno trás consigo acirra ainda mais o conflito entre eles no que diz respeito ao preconceito de raça, de classe social, etnias, dentre outros.
 
     Observando o filme, e analisando a prática pedagógica adotada pelo personagem François, pode se verificar que o professor Marin se mostra comprometido e disposto a enfrentar, através do diálogo, os muitos desafios que irão surgindo por parte daquela turma indisciplinada, no intuído de transformar os vários questionamentos dos discentes num aprendizado através da reflexão crítica. Ou seja, ser um educador naquilo que envolve uma preocupação com a transformação social que, segundo Cipriano Luckesi, possui grande importância por promover mudanças na história. Trabalhar nos alunos o conhecimento e o hábito de se fazer uma reflexão críticas dos fatos a fim de obter mudanças no modo de pensar e não simples reprodução do senso-comum.

     Os muitos conflitos sociais e questionamentos por parte dos alunos de diferentes realidades presentes naquela sala de aula, uma vez suscitadas, François utiliza cada momento para reflexão e esclarecimento. O professor passa a ser o mediador daquela realidade conflitante para poder extrair algum conteúdo a fim de que seus alunos adquiram uma conscientização moral, ética e política na intenção de promover uma transformação social através da reflexão e debate. Portanto, o docente deve “caminhar junto, intervir o mínimo indispensável, embora não se furte, quando necessário, a fornecer uma informação sistematizada.” (Luckesi- 2002, p. 25)

     A didática pela qual o professor apresenta os conteúdos referente à língua francesa, logo no início do filme, é uma didática que podemos chamar de progressivista (centrada no aluno), estimulando a troca de conhecimentos e experiências por meio dos diálogos cujo antiautoritarismo e a valorização das experiências vividas pelos discentes se fazem presentes por parte do educador no intuito de fazê-los refletirem sobre a importância de se aprender a língua francesa, o respeito aos colegas de classe e suas etnias etc. Porém, diante da resistência dos alunos em não aceitar seus métodos pedagógicos, desprezarem a figura do professor e sua forma de trabalhar, a sua pedagogia de caráter progressivista parece se perder no decorrer do filme.

     Segundo Cipriano Luckesi em seu texto “O papel da didática na formação do educador”, o docente deve possuir um compromisso com o ensinar de forma a transformar as relações humanas através de um processo dialético transformador. Transformação essa que se baseia numa troca constante de saberes e experiências entre o professor e o aluno, pois “ensinamos e somos ensinados, numa interação contínua em todos os instantes de nossas vidas.” Isso deve ser refletido também dentro de sala de aula.

     O educador deve ter consciência da importância de seu papel na sociedade, naquilo que envolve as suas práticas educacionais no sentido de ser sujeito da história que, através de seu caminhar, construirá o conhecimento, respeito aos outros conhecimentos, desenvolvimento do pensamento ético, moral, político e humano em seus alunos.

     Ainda que todo esse esforço seja aproveitado de forma mínima pelos discentes, tal empenho se refletirá, quem sabe, em uma sociedade mais justa. É ter consciência de seu papel, ainda que seja árdua a tarefa, hoje em dia, do educador. Este, por sua vez, deve estar compromissado com o “fazer” a história, contribuindo por uma sociedade e educação melhor. É um desafio constante.

     Nesse sentido, diante desses aspectos acima citado, observa-se que o professor François se distancia, no decorrer do filme, aos poucos dessa pedagogia progressivista, desse compromisso de fazer a história e provocar mudanças devido à grande resistência dos alunos. Isso fará com que ele passe a adotar algumas atitudes semelhantes a prática pedagógica conservadora na tentativa de passar o conteúdo da disciplina, ou seja, o estudo da língua francesa.

     Apesar dele se mostrar disposto a esclarecer para os alunos a importância das aulas de literatura e a aprendizagem da conjugação dos verbos no imperfeito do subjuntivo, por exemplo, ele esbarra em muitos questionamentos dos discentes ante aqueles ensinos, portanto tais resistências por parte dos alunos farão com que o professor mude a sua postura de ensinar. Os conteúdos passam a ser transmitidos pelo professor não de forma a proporcionar a compreensão do porque daqueles verbos e conjugação, mas se caracterizando como uma transferência de um saber através do seu autoritarismo.

     Não é visto, por parte dele, no decorrer do filme, uma construção baseada na troca de conhecimentos como demonstrava no início, na intenção de entender e fazer os alunos refletirem. A sua prática pedagógica passa a centrar na transmissão do conhecimento que, muitas das vezes, quando contrariado, o professor Marin costumava impor sua opinião ou suscitar uma discussão que não levava a lugar algum; pelo contrário, irritava mais ainda os alunos, agravando a desmotivação deles, levando- os a discutirem e até brigarem em sala de aula.

     Infelizmente, houve uma falha da parte do personagem, pois tal atitude tende a aumentar ainda mais o processo de exclusão do aluno do conhecimento devido à falta de compreensão daquilo que está sendo ensinado e sua aplicabilidade.

     O personagem François começa com uma pedagogia progressivista, porém esta, por sua vez, passa a dar lugar a pedagogia mais conservadora diante das grandes dificuldades que o professor encontra naquele hostil ambiente escolar. Ele não é o “herói” que “salva” toda uma turma como muito já vimos nos filmes voltados para a educação, mas, também, não é o vilão por tais atitudes.
 
     No que concerne ao aspecto afetivo, o professor até tenta estabelecer algo; por exemplo, na conversa que ele possui com o Souleymane na tarefa do autoretrato, porém o aluno não crê naquela conversa, na atenção dispensada, achando que tal valorização da parte do professor fazia parte de um plano para que ele e os outros alunos fizessem a lição proposta. Teria esse questionamento por parte de Souleymane um fundo de verdade , ou não?

     Se ainda existia um fio mínimo de afeto por parte do professor, parece que tudo fora posto por terra, haja vista as muitas discussões em sala de aula e, mais tarde, com as duas alunas representantes de classe que, após terem mentindo sobre a conversa dos docentes no conselho de classe, provocou a ira do professor chamando-as de vagabundas. Ou seja, o que se pode tirar disso, dessa lição, é que o clima afetivo entre professor e aluno é muito importante para a construção da auto-estima e o desenvolvimento cognitivo, pois o processo de aprendizagem se dá através do relacionamento interpessoal forte entre ambos. Dependendo de como se dá essa relação afetiva, ela pode ser responsável pelo sucesso ou fracasso na aprendizagem. “Envolve estar atento ao aluno e se preocupar com o mesmo.” (Vera Candau- 2001- p. 14)

      Referente ao campo da cognição, à relação entre professor e aluno, no filme, envolvendo aspectos em sua dimensão humana, político e social, verifica-se que foi bastante prejudicada devido à resistência dos alunos em não aceitarem o ensino da língua francesa e as orientações e práticas pedagógicas do professor François. O professor até se esforça em fazer com que a turma aprenda a língua local e sua importância, porém é possível perceber que poucos foram os que aprenderam, e outros não aprenderam nada. Nesse sentido, entendo que a falta de afeto e a grande dificuldade de aceitação do professor François Marin, por parte do aluno, fizeram com que este profissional falhasse em seu papel de educador, e a sua autoridade como mestre vai aos poucos sendo abafada, dando lugar ao autoritarismo que passa a ser evidenciado em alguns de seus confrontos com os discentes diante da postura agressiva deles, como, por exemplo, o personagem problemático Souleymane e a aluna Khoumba, principais questionadores e rebeldes que desprezavam a autoridade do professor como um profissional da educação.

     Observa-se, portanto, o quão importante é o desenvolvimento afetivo-emocional professor /aluno para o desenvolvimento do cognitivo, pois o estímulo afetivo capacitará o aluno (se ele de fato quiser) a conhecer a si mesmo, promovendo a auto-estima e, como resultado, o aluno passará a se conhecer e situar-se melhor no mundo.

     Concernente a globalização e seus efeitos no campo da educação pública, de acordo com o filme, “Entre os muros da escola”, tende a aproximar vários países, idéias e culturas. Ou seja, a globalização cria paradigmas e seus efeitos passam a ditar isso ou aquilo que devemos fazer, pensar e perceber as coisas no mundo.

     Segundo Minayo (et all, 2001) , tudo se torna efêmero , descartável diante da agressiva conquista de mercado por meio do poder que possui e exerce a globalização, refletindo-se também no modo como as pessoas devem “perceber” e aceitar as coisas. Esse efeito é algo amplo e dinâmico no mundo atual, portanto o individualismo e tudo que se mostra diferente tende a ser amenizado para sobressair aspectos que devem ser comuns a todos: mesmo gosto, estilo, não importando qual lugar, país ou cultura. A homogeneização é o seu grande alvo. Dessa forma, o controle é mais fácil.
A educação, por sua vez, tende também a sofrer tais efeitos uma vez que ela não é neutra, mas, nem por isso, alienada.

     Se compararmos, é possível perceber no filme de Laurent Cantet uma aproximação com a Europa e a América Latina, com a sala de aula francesa e a brasileira, na atitudes, gostos, músicas, indisciplina, falta de respeito ante ao professor e, até mesmo, nos problemas dentro da classe como os muitos celulares ligados e tocando em plena aula. Tudo isso pode ser visto aqui no Brasil, por exemplo.

     Outro aspecto comum aos dois países ante a nossa realidade, hoje em dia, se encontra na dificuldade que os professores possuem em fazer o aluno perceber e entender o quão importante é a análise crítica daquilo que se mostra como “verdade”, ou seja, a realidade alienada e alienante na qual vivemos. Infelizmente, a falta de hábito de uma análise crítica das coisas encontra apoio na grande resistência por parte dos discentes; não só dos discentes, mas da população em sua grande maioria. A falta de leitura é uma das maiores contribuidoras para tal desinteresse.

     Portanto, eis um filme envolvente através de uma realidade tão próxima ao que se vive nas muitas escolas públicas hoje em dia. Filme para muitos debates sobre práticas pedagógicas, relacionamentos professor /aluno conturbados, ou não, vividos dentro de uma sala de aula.


Dados do Filme

Título original: Entre les Murs
Gênero: Drama
Ano de lançamento: França- 2007
Direção: Laurent Cantet
Roteiro:Laurent Cantet, François Bégaudeau e Robin Campillo, baseado em livro de François Bégaudeau

Sinopse


François Marin (François Bégaudeau) trabalha como professor de língua francesa em uma escola de ensino médio, localizada na periferia de Paris. Ele e seus colegas de ensino buscam apoio mútuo na difícil tarefa de fazer com que os alunos aprendam algo ao longo do ano letivo. François busca estimular seus alunos, mas o descaso e a falta de educação são grandes complicadores




  

1 comentários:

Adailza P.S disse...

Gostei muito da sua rsenha crítica e principalmente a que se refere a globalização que tenta nos enganar através da homogeneidade social, cultural e moral.